02/22/2020
09:20:54 AM
João fala acerca da comunhão com os irmãos (1.7) e da comunhão com Deus (1.9). Para termos comunhão uns com os outros precisamos andar na luz como Deus está na luz, e para termos comunhão com Deus precisamos reconhecer o pecado e confessá-lo. Vamos destacar aqui esses dois pontos vitais: Em primeiro lugar, a comunhão com os irmãos (1.7). “Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado.”
Destacamos aqui três pontos:
Uma exigência (1.7a). “Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz...” Não há comunhão fora da verdade. Onde as trevas escondem as motivações, distorcem as palavras e maculam as ações não pode existir verdadeira comunhão. O engano do pecado nos leva a pensar que se as pessoas nos conhecerem como somos de fato, elas se afastarão de nós. Somos induzidos a esconder os nossos pecados para sermos aceitos. Mas isto é um engodo.
A verdadeira comunhão só acontece na luz. Concordo com Werner de Boor quando diz que quando ocultamos a verdade da nossa vida a comunhão já está destruída. Estamos separados dos outros por temor e constrangimento, sensíveis e desconfiados em nossa conduta. Em contrapartida, quando temos a coragem de mostrar nossa vida sob luz total pode despertar em outros uma maravilhosa confiança. No entanto, observe também que não se trata de exibir o pecado em si, mas de testemunhar da experiência do perdão purificador de Deus. Essa experiência abre corações e conduz para um convívio franco, livre e alegre.
Andar na luz é um ato contínuo. Significa que vivemos no brilho da luz de Deus, de modo que refletimos virtudes e glória. O próprio Deus vive em “[...] luz inacessível” (lTm 6.16).
John Stott está correto quando diz que Deus está eterna e necessariamente na luz porque ele mesmo é luz. Deus está na luz porque ele é sempre fiel a si próprio e sua atividade é coerente com sua natureza “[...] de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo” (2Tm 2.13).
Andar na luz descreve sinceridade absoluta, não ter nada para esconder.
Andar na luz produz dois resultados: comunhão com os irmãos e purificação de todo pecado. Esses dois resultados serão tratados nos dois pontos seguintes.
Uma realidade (1.7b). “[...] mantemos comunhão uns com os outros...” Andar na luz pavimenta o caminho da comunhão com Deus e com o próximo. Andar na luz é a exigência para a comunhão fraternal. Viver para Deus significa que temos um relacionamento íntegro com o nosso próximo. Um profundo desejo de glória celestial na presença de Deus deve ser acompanhado de uma vontade intensa de ter comunhão com a igreja na terra.
A comunhão fraternal é resultado da santidade. Nas trevas não há comunhão, mas cumplicidade. Nas trevas não há comunhão, mas parceria no pecado. Porém, se andamos na luz, temos comunhão uns com os outros. Nenhuma crença pode ser autenticamente cristã se separar o homem de sua relação com os demais. Nada que destrua a comunhão fraternal pode ser verdadeiro.
Uma promessa (1.7c). “[...] e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”. O fato de andarmos na luz e mantermos comunhão uns com os outros não implica ausência de pecado nem nos torna essencialmente perfeitos e imaculados. Ainda continuamos sujeitos ao pecado, mas temos a promessa da purificação pelo sangue de Jesus. Seremos iguais a ele somente na glorificação. Agora, porém, nós, que andamos na luz, temos a purificação no sangue de Jesus. Andar na luz, portanto, é confessar pecado; andar nas trevas é ignorar ou negar pecado. Quando andamos na luz temos provisão divina para limpar-nos de todo e qualquer pecado. Essa provisão é o sangue de Jesus, o Filho de Deus. João enfatiza a natureza divino-humana daquele cujo sangue nos purifica.
Ele é o homem Jesus, mas também é o Filho de Deus. Harvey Blaney diz que na criação o homem foi feito à imagem de Deus. Na redenção, Deus foi feito à imagem do homem. O verbo divino se fez carne. Deus se fez homem. O segredo do poder desse sangue é que foi derramado pelo Filho de Deus, imaculado, perfeito e sem pecado algum. O sangue humano comum está contaminado pela corrupção do pecado. A morte de um ser humano não tem qualquer poder para limpar ou remover a culpa de outros seres humanos. Jesus, porém, sendo Filho de Deus, derramou sangue isento de pecado, não contaminado e, por isso, eficaz para esse fim.
O verbo grego katkarizein, traduzido aqui por “purificar”, sugere que Deus faz mais que perdoar: ele apaga a mancha do pecado. E o tempo presente mostra que é um processo continuado.127 O sacrifício de Cristo foi eficaz não apenas para perdoar os pecados passados, mas também para purificar-nos no presente, dia a dia. L. Bonnet diz que o tempo presente do verbo “purificar” indica a ação permanente do sacrifício de Cristo. O sacrifício da cruz é o meio do perdão e da reconciliação com Deus e, ao mesmo tempo, o meio da purificação interna do pecado, abrindo-nos a porta da plena comunhão com Deus e com os irmãos.
Jesus nos purifica e nos apresenta a si mesmo como “[...] igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.27). Simon Kistemaker diz que o pecado pertence ao mundo de trevas e não pode entrar na esfera de santidade. Assim, Deus deu seu Filho para morrer na terra. Por meio da morte de seu Filho, Deus removeu o pecado e a culpa do ser humano para que este possa ter comunhão com ele.129 O sangue de Jesus é suficiente para nos limpar profunda e totalmente. Nenhuma terapia humana, nenhum rito religioso pode purificar o homem do seu pecado. Nenhum esforço humano ou obra de caridade pode produzir essa realidade. Somente o sangue de Jesus, o Filho de Deus, pode nos lavar, nos purificar e nos tornar aceitáveis a Deus.
Digno de observar é o fato de que o sangue de Jesus purifica não apenas alguns pecados, mas todo pecado. Não há causa perdida para Deus. Não há pecador irrecuperável para Deus. Não há pecado imperdoável para Deus, exceto a blasfêmia contra o Espírito Santo, ou seja, a rejeição consciente da graça e a atribuição da ação divina ao próprio diabo. Em segundo lugar, a comunhão com Deus (1.9). “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” O crente verdadeiro não é aquele que esconde seus pecados nem os justifica, mas os confessa a Deus para receber perdão e purificação. O pecado é maligno. Ele é treva e Deus é luz. O pecado faz separação entre o homem e Deus (Is 59.2). A única condição, portanto, para o homem ter comunhão com Deus é reconhecer o seu pecado e confessá-lo. Antes de termos comunhão com Deus precisamos ser perdoados e purificados. Destacamos aqui três sublimes verdades: A condição do perdão. “Se confessarmos os nossos pecados...”. Esta é a parte condicional da frase, que mostra nosso conhecimento do pecado. Encaramos o pecado aberta e honestamente sem escondê-lo ou achando desculpas para ele. Confrontamos os pecados que cometemos sem nos defendermos ou justificarmos. Confessamos nossos pecados para mostrar arrependimento.130 O que é confessar os pecados? E concordar com Deus que pecamos.
A palavra grega homologeo significa homologar, concordar com, dizer a mesma coisa. Confessar é concordar com o diagnóstico de Deus a nosso respeito, que somos pecadores e que temos cometido pecados, e assim verbalizamos essa concordância com tristeza e pesar.
Em vez de negar o pecado ou escondê-lo, devemos admitir a nossa culpa e confessar o nosso pecado. Esta é a condição do perdão e o caminho da comunhão com Deus. Vale ressaltar, igualmente, que não se trata de uma confissão genérica, inespecífica e superficial. A verdadeira confissão requer a especificação dos pecados. Chamá-los pelo mesmo nome que Deus chama: inveja, ódio, mágoa, impureza. Confessar é ser honesto com Deus e consigo mesmo. E mais do que admitir o pecado, é julgá-lo.132 John Stott tem razão quando diz: “O que se requer não é uma confissão geral do pecado, mas uma confissão particular de pecados”.
Simon Kistemaker ressalta que não nos é dito quando, onde e como confessar nossos pecados, mas o arrependimento diário dos pecados nos leva à confissão contínua. João, na verdade, escreve: “Se continuarmos confessando nossos pecados”. Ele escreve a palavra “pecados” no plural para indicar a magnitude de nossas transgressões.
Nós devemos confessar nossos pecados primeiramente a Deus e depois àqueles contra quem os cometemos. A confissão deve ser tão extensa quanto o estrago feito pelo pecado. A confissão de certos pecados exige uma reparação, além da confissão. Em alguns casos, a disciplina deve também ser aplicada. A base do perdão. “[...] ele é fiel e justo...” A garantia e a segurança do perdão estão no caráter fiel e justo de Deus. A segurança da salvação não está edificada sobre o frágil alicerce da confiança humana, mas sobre a rocha firme da pessoa divina e suas promessas. Deus é fiel às suas promessas e é justo para não aplicar em nós o castigo dos mesmos pecados que Jesus carregou sobre o corpo no madeiro. Deus é fiel para perdoar porque ele cumpre a sua aliança e sua promessa de perdoar os nossos pecados e não se lembrar mais deles. “Pois perdoarei as suas iniquidades e dos seus pecados jamais me lembrarei” (Jr 31.34; Hb 8.12; 10.17).
A primeira vista, poderíamos pensar que Deus, em sua justiça, estaria muito mais propenso a condenar do que a perdoar. O justo não perdoa, mas aplica a pena da lei aos transgressores. Se Deus visita no pecador o seu pecado e “[...] não inocenta o culpado” (Ex 34.7), como ele pode perdoar pecados? Este é o dilema divino. O Juiz de toda a terra não pode apagar o pecado levianamente. A cruz é, de fato, absolutamente a única base moral sobre a qual ele pode perdoar o pecado, pois ali o sangue de Jesus, seu Filho, foi derramado para que ele pudesse ser “a propiciação” por nossos pecados (2.2).
Assim, podemos dizer que, ao perdoar os nossos pecados e nos purificar deles, Deus manifesta lealdade à sua aliança — sua fidelidade por causa da palavra que a iniciou e sua justiça por causa do efeito que a ratificou. Mas, simplesmente, é fiel para perdoar porque prometeu fazê-lo e justo porque seu Filho morreu por nossos pecados.
Werner de Boor expressa com clareza esta ideia: Como Deus pode ser justo ao apagar o pecado? Jamais poderíamos imaginar ou experimentar isso se o perdão apenas consistisse de um “dito” de Deus. Contudo, ele reside em uma ação de seriedade absoluta e suprema justiça. “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21).
Todo pecado foi julgado e punido no Cabeça da humanidade, Cristo. Deus é justo ao não vingar o pecado pela segunda vez em nós quando aceitamos Jesus como nosso substituto pela fé. A posse do perdão. “[...] para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça”. E justamente de nossas “injustiças” que essa “justiça de Deus” nos purifica.
Rev. Hernandes Dias Lopes
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